domingo, 14 de março de 2010

* P A L A V R A S *

* O vendedor de palavras *

Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma
grave falta de palavras. Em um programa
de TV, viu uma escritora lamentando que não se
liam livros nesta terra, por
isso as palavras estavam em falta na praça. O
mal tinha até nome de batismo,
como qualquer doença grande, "indigência
lexical". Comerciante de tino que era,
não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica.
Pegou dicionário, mesa e cartolina
e saiu ao mercado cavar espaço entre os
camelôs.
Entre uma banca de relógios e outra de
lingerie instalou a sua: uma mesa, o
dicionário e a cartolina na qual se lia:
"Histriônico - apenas R$ 0,50!".
Demorou quase quatro horas para que o
primeiro de mais de cinqüenta curiosos
parasse e perguntasse.
- O que o senhor está vendendo?
- Palavras, meu senhor. A promoção do dia é
histriônico a cinqüenta centavos
como diz a placa.
- O senhor não pode vender palavras. Elas
não são suas, são de todos.
- O senhor sabe o significado de
histriônico?
- Não.
- Então o senhor não a tem. Não vendo algo
que as pessoas já têm ou coisas de
que elas não precisem.
- Mas eu posso pegar essa palavra de graça
no dicionário.
- O senhor tem dicionário em casa?
- Não. Mas eu poderia muito bem ir à
biblioteca pública e consultar um.
- O senhor estava indo à biblioteca?
- Não. Na verdade, eu estou a caminho do
supermercado.
- Então veio ao lugar certo. O senhor está
para comprar o feijão e a alface,
pode muito bem levar para casa uma palavra por
apenas cinqüenta centavos de
real!
- Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar
para depois esquecê-la?
- Se o senhor não comer a alface ela acaba
apodrecendo na geladeira e terá de
jogá-la fora e o feijão caruncha.
- O que pretende com isso? Vai ficar rico
vendendo palavras?
- O senhor conhece Nélida Piñon?
- Não.
- É uma escritora. Esta manhã, ela disse na
televisão que o País sofre com a
falta de palavras, pois os livros são muito
pouco lidos por aqui.
- E por que o senhor não vende livros?
- Justamente por isso. As pessoas não
compram as palavras no atacado, portanto
eu as vendo no varejo.
- E o que as pessoas vão fazer com as
palavras? Palavras são palavras, não
enchem barriga.
- A escritora também disse que cada palavra
corresponde a um pensamento. Se
temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu
vender uma palavra por dia,
trabalhando duzentos dias por ano, serão
duzentos novos pensamentos cem por
cento brasileiros. Isso sem contar os que
furtam o meu produto. São como
trombadinhas que saem correndo com os relógios
do meu colega aqui do lado. Olhe
aquela senhora com o carrinho de feira
dobrando a esquina. Com aquela carinha de
dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por
aqui sorrateira. Olhou minha placa
e deu um sorrisinho maroto se mordendo de
curiosidade. Mas nem parou para
perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um
dicionário em casa. Assim que
chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga.
Suponho que para cada pessoa que se
dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco
a roubarão. Então eu provocarei
mil pensamentos novos em um ano de trabalho.
- O senhor não acha muita pretensão? Pegar
um...
- Jactância.
- Pegar um livro velho...
- Alfarrábio.
- O senhor me interrompe!
- Profaço.
- Está me enrolando, não é?
- Tergiversando.
- Quanta lenga-lenga...
- Ambages.
- Ambages?
- Pode ser também evasivas.
- Eu sou mesmo um banana para dar trela
para gente como você!
- Pusilânime.
- O senhor é engraçadinho, não?
- Finalmente chegamos: histriônico!
- Adeus.
- Ei! Vai embora sem pagar?
- Tome seus cinqüenta centavos.
- São três reais e cinqüenta.
- Como é?
- Pelas minhas contas, são oito palavras
novas que eu acabei de entregar para o
senhor. Só histriônico estava na promoção, mas
como o senhor se mostrou
interessado, faço todas pelo mesmo preço.
- Mas oito palavras seriam quatro reais,
certo?

- É que quem leva ambages ganha uma
evasiva, entende?
- Tem troco para cinco?

(Autor Desconhecido).

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